segunda-feira, 25 de julho de 2011

PAREI DE CHUPAR

Já nasci chupando! O dedo, evidentemente! A cada ano que se passava, meu polegar esquerdo se tornava mais gostoso, mais saboroso, mais apetitoso.

Minha família, minhas professoras e meus colegas de infância fizeram de tudo para que eu largasse o vício.

Em casa, Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, começou passando sumos de babosa e de losna, depois molho de pimenta em minha chupeta natural. Não deu resultado! Minto, deu sim! Dali pra frente, a pimenta se tornou meu tempero preferido, conforme em outro episódio relatarei.

 Na escola, as professoras patiram para o oito ou oitenta, usando a velha técnica educacional da ferulaterapia – e a palmatória trabalhava dia sim, o outro também, o que só aumentava meu prazer, ao chupar aquele dedo morninho, esquentado pela ação de cada palmatoada, também conhecidas como bolo. Mas isso não foi assim de supetão: começaram com puxões de orelha, variando depois para reguadas, castigo de joelhos sobre milho, e, por fim, ao verem-me na prática do maravilhoso chupismo, vinha em riba de mim com a palmatória, e o bolo comia no centro.

No recreio, colegas muito dos felas chegaram até a passar bosta de galinha em meu sinistro polegar. Debalde! Em vão! O Rio Balsas ficava a dois quarteirões e, como se sabe, a água lava tudo. Com o dedo bem areado, nem de sabão carecia.

Perto de nossa casa, descendo da Praça de São Sebastião e seguindo pela Rua Tenente Joca rumo ao Bairro Cajueiro, havia, atrás de onde a Escola Normal, um grande e frondoso mangueiral, embaixo do qual morava uma senhora bem velhinha mas durona, em sua casinha de adobo e coberta de palha. Em seu amplo terreiro, vez em quando, se realizavam rezas, seguidas de leilão e arrasta-pés, aos quais a criançada não podia comparecer, por tratar-se de coisa de adulto.

Chamava-se ela Leucádia, mais conhecida por Velha Lucádia, Dona Lucádia, ou DonLucádia. Vinha a ser a mãe de meu amigo Raimundo Guarda, naquele tempo menino de meu tope. DonLucádia fazia umas bonecas artesanais de canarana – tipo de capim cujo grosso caule fornece um miolo muito parecido com o isopor. Naquele sertão, as bonecas de pano feitas em casa eram chamadas de bruxas. As bruxas de DonLucádia – quem sabe, por ser necessário lascar o caule da canarana para extrair-lhe o miolo – eram conhecidas como bruxas lascanetas.

DonLucádia era uma senhora boníssima, alegre, prestativa Zeladora do Sagrado Coração de Jesus e comadre de minha mãe. Muitas vezes, vi as duas na cozinha lá de casa em animada prosa. Mas esses predicados só eram reconhecidos pelos adultos. Para nós, os moleques das cercanias, ela era outra coisa muito diferente. Caminhando com seu bastão e a cabeça encoberta por um manto preto, era, sem tirar nem pôr, uma perfeita feiticeira das histórias de Trancoso. Sua boca desdentada – visual comum nos nordestinos idosos e desaquinhoados – acentuava em muito o medo que tínhamos dela. Piorando tudo, havia o fato de não podermos comparecer aos animados leilões e danças em seu terreiro. Por tudo isso, a chamávamos de Lucádia Lascaneta.

Quando eu estava regulando uns oito anos de idade, e já estabilizado na chupação, eis que ma aconteceu inesperada desgraça.

Uma tarde, ia eu pra nosso quintal comer umas atas e, ao passar pela cozinha, vi minha mãe conversando baixinho com Dona Lucádia, a DonLucádia, a Velha Lucádia, a Lucádia Lascaneta. Quase estaquei de pavor! Havia dois homens rachando lenha ali por perto, o que me deu certa segurança se a “feiticeira” quisesse me “encantar”. De repente, minha mãe se virou para esses dois e gritou bem alto:

– Peguem ele!

Eu, sem saber o que estava acontecendo, fiquei ali paralisado, sem reação, nem me lembrei de correr, de me safar. Os cabras avançaram pra mim, me pegaram e levaram pra onde as duas se encontravam. Quando estavam bem pertinho, minha mãe pegou meu braço esquerdo, abarcou a mão, segurou todos os dedos, deixando apenas o polegar livre, e o enfiou na boca de DonLucádia. Esta, conforme haviam combinado. chupou meu querido dedo por quase 2 minutos, passando-lhe a língua, enquanto eu esperneava e gritava de revolta e nojo.

Foi um santo remédio!

Nunca mais botei esse polegar na boca. Daí pra frente, descobri coisas mais interessantes para se chupar, como rolete de cana, manga madura e laranja de embigo. (Do Blog da Besta Fubana).

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